terça-feira, 12 de abril de 2016

Aos 82 anos, médica se arrisca no mar para levar assistência aos habitantes de quatro ilhas

Aos 82 anos, médica se arrisca no mar para levar assistência aos habitantes de quatro ilhas
Dona Joana é a única médica que presta atendimento às comunidades das quatro ilhas | foto: Kristiano Simas/Agência Assembleia
Ondas, ventos fortes, chuva e sol. O perigo que ronda as embarcações que se arriscam na travessia em ‘mar aberto’ entre o porto do povoado Pau Deitado, no município de Paço do Lumiar, e o arquipélago das Marianas, no extremo norte do estado, é de causar temor a qualquer mestre de embarcação experiente. Mas não para a médica Joana Ramos da Rocha, de 82 anos. Medo é um sentimento que nunca existiu e enfrentar esse mesmo percurso todos os meses é mais que um desafio, é um compromisso de vida.

Dona Joana tem um motivo muito especial para se lançar ao mar na perigosa travessia de barco pelo menos uma vez por mês. Ela é a única médica que presta atendimento às comunidades de pescadores que habitam Carrapatal, Santana, Jurucutuoca e Pedras, quatro ilhas do arquipélago das Marianas, no município de Humberto de Campos, a cerca de 45 milhas de São Luís.    
São 12h20 do dia 16 de janeiro de 2016. No Porto do Pau Deitado, o barco ‘Cavalo Marinho’, uma daquelas embarcações de pesca tipicamente maranhense, aguarda desde cedo a chegada da sua principal passageira. Joana Ramos chega sorridente e, com muita disposição, sobe no barco se equilibrando em cordas. Começa a viagem que demorará cerca de seis horas até a sua primeira parada, que é a Ilha de Carrapatal.
A travessia é perigosa. No início da viagem, o ‘Cavalo Marinho’ enfrenta ondas traiçoeiras e os fortes ventos da baía de São José. Etapa vencida, o barco segue em frente singrando agora as águas do Oceano Atlântico.
Joana não se abala. Durante toda a viagem ela leva na mão esquerda a inseparável maleta branca; na direita o rosário que segura com força entre os dedos e nos lábios pintados de batom vermelho um cativante sorriso. No coração vai prosseguindo a viagem motivada por uma intensa vontade de servir.
A médica viaja sentada no convés do barco com o olhar firme no horizonte. Um mar a perder de vista e uma paisagem que ela diz conhecer há 43 anos realizando este mesmo percurso de São Luís até as ilhas do município de Humberto de Campos.
No balanço das altas ondas que não dão trégua e jogam muita água dentro do barco, Joana cantarola cânticos religiosos ou músicas da sua juventude. Os dedos sempre dedilhando o seu rosário.
 “Não tenho medo algum. O que sinto é uma enorme vontade de servir. Sei que muitas pessoas estão além deste mar esperando a minha chegada. Eu tenho uma missão nesta vida e exerço a medicina como um sacerdócio”, relata.
Jacqueline Heluy/ Agência Assembleia

sexta-feira, 8 de abril de 2016

Dia Mundial das Boas Ações: Informações sobre o evento

Neste fim de semana, o Brasil vai sediar o Dia Mundial das Boas Ações, um evento que acontece simultaneamente em 70 países. Neste ano, o Brasil será a capital do evento. A ideia é incentivar a sociedade a praticar boas ações. Ao todo há 250 ONGs cadastradas neste evento e a previsão é de mais de 300 ações, como por exemplo: estimular a limpeza das nossas cidades.
O evento de Boas Ações acontece em todo o Brasil durante esta sexta-feira, 8 de abril, além dos dias 9 e 10/4.  Especialmente no Rio de Janeiro, São Paulo e Brasília mais de 100 ONGs e participantes voluntários vão incentivar e convidar a sociedade a praticar boas ações. 



Confira mais informações no site: https://www.atados.com.br/dia-das-boas-acoes

segunda-feira, 4 de abril de 2016

A PRIORIZAÇÃO DA FAMÍLIA NA AGENDA DA POLÍTICA SOCIAL

Maria do Carmo Brant de Carvalho

A família é o primeiro sujeito que referencia e totaliza a proteção e a socialização dos indivíduos. Independente das múltiplas formas e desenhos que a família contemporânea apresente, ela se constitui num canal de iniciação e aprendizado dos afetos e das relações sociais.
Para abordar o tema, foi escolhido um caminho reflexivo que retorna as características que formatam a política social no Brasil, seguido de um olhar sobre o cotidiano das famílias brasileiras que vivem sob o signo de pobreza. Por fim, de forma didática, discorre-se sobre as atenções básicas que uma política social voltada à família deve contemplar.
Retomar a família como unidade de atenção das políticas públicas não é um retrocesso a velhos esquemas. É, sim, um desafio na busca de opções mais coletivas e eficazes na proteção dos indivíduos de uma nação.


Uma breve contextualização da política social no Brasil

A política social no Brasil não tem logrado alterar o quadro de pobreza e exclusão de parcela significativa da população brasileira. Ao contrário, observa-se a cada década a ampliação das taxas de desigualdade social, ao mesmo tempo em que a concentração de renda atinge índices insuportáveis.
A Campanha Nacional de Combate à Fome e à Miséria que marcou o ano de 1993 ainda não conseguiu reverter a direção da política social brasileira. Embora as questões da vida e da cidadania estivessem presentes nos discursos, a mobilização alcançada resultou numa atuação centrada na distribuição de cestas alimentares. Reproduziu a cultura tradicional de enfrentamento da pobreza pela via assistencialista e tutelar.
O modus operandi arraigado nas diversas faces da política social brasileira resistiu às pautas mais ambiciosas presentes na campanha, apesar da aglutinação de esforços significativos e diversificados que ela capitalizou.
O reconhecimento e a garantia de direitos sociais acabou enviezando o olhar para o contexto do fetiche capitalista da mercadoria. Passou-se a fragmentar os indivíduos na forma de atenção pública.

Neste modelo três processos ganharam força:
·         os direitos do individuo de “per si” (criança, mulher, negro, idoso...);
·         a fragmentação dos indivíduos em necessidades transformadas em direitos de “per si” : direito a saúde, educação, transporte...;
·         a psicologização  das relações sociais.

Nos demais processos destacaram-se como base de luta os direitos sociais e, como protagonistas, os movimentos sociais e as organizações sindicais. O  trabalho com famílias foi considerado na maioria das vezes como uma prática conservadora e disciplinadora sob o rótulo do planejamento familiar. A atenção à família se tornou periférica. Quanto existente, não era ela o alvo, mas sim a mulher, o trabalhador, a criança.
Neste caldo, o terceiro processo mencionado se introduziu carregado de magia: a psicologização das relações sócias. Os indivíduos e micro-coletivos, como a família, fragmentados num somatório de necessidades, ganhavam a identidade na carência –de bens e serviços e de afetos.
Finalmente, a política social no Brasil guarda ainda o ranço de um externo centralismo. Embora exaltem-se as vantagens da descentralização e da municipalização das atenções básicas ofertadas por essa política, ela não vem ocorrendo no ritmo esperado. As estruturas do Estado mostram-se resistentes a adotar o novo reordenamento político institucional que contempla uma partilha efetiva de competências e atribuições entre as três esferas de governo (municipal, estadual e federal).
A crise do “Welfare State”, o déficit público, o individualismo crescente, a institucionalização das necessidades individuais/grupais e o desempenho estrutural introduzem hoje velhos e novos desafios à politica social brasileira e mundial.
Neste contexto, ressurge a família e a comunidade. Primeiro, a família como unidade econômica e direito da criança. Segundo, a comunidade como necessidade de o Estado Nacional com ela partilhar as responsabilidades e os custos das políticas públicas de proteção e reprodução social de seus cidadãos. Este ressurgimento reflete ainda uma certa consciência do esgotamento da opção – quase única – pelo indivíduo, centro da atenção pública. Não é por acaso que em 1994 viveremos o Ano Internacional da Família e possivelmente um outro ano será ancorado na ideia da “comunidade”.


A sobrevivência cotidiana das famílias empobrecidas

Vive-se no Brasil um verdadeiro “apartheid” entre ricos e pobres. Não se percebe, mas este “apartheid” é notório, especialmente nas regiões metropolitanas, onde a maioria da população vive confinada em cortiços, favelas e casas precárias das periferias, excluídos não apenas do acesso a bens e serviços, mas também do usufruto da própria cidade. A pequena população rica vive em bairros que são verdadeiros condomínios fechados com todos os bens e serviços disponíveis.
A solidariedade conterrânea e parental é condição primeira para a sobrevivência e a existência de famílias em situação de pobreza e discriminação. Pode-se dizer que vivem em comunidades cuja identidade é marcada pela carência, sangue e terra natal.
A solidariedade parental e conterrânea e expressa cotidianamente através dos empréstimos para pagar uma prestação, uma conta de luz ou água, para o táxi (por alguém da família que ficou doente e precisa ir ao hospital...); alguém que tome conta das crianças em uma emergência. Estas são situações a que todos estão sujeitos e a única forma de enfrenta-las é com a solidariedade.
O grupo familiar extenso, o agregado de parentes e conterrâneos, ou a pequena comunidade rural cria vínculos e sistemas próprios que garantem os padrões de reprodução social.
A vida do grupo familiar maximiza as chances de garantir a sobrevivência do membros que têm pequenos rendimentos, mesmo que no conjunto a renda “per capita” tenha seu valor rebaixado.
Mas a família de baixa renda também assimila, nas megacidades brasileiras, novos valores e padrões de reprodução social: gerar menos filhos; a mulher como força de trabalho; a diferenciação entre chefe e provedor.
Na sobrevivência cotidiana destas famílias observa-se outros fator importante: uma dependência estratégica da chamada solidariedade apadrinhada.
Observa-se aqui um processo de usufruto de bens de consumo de “segunda ou terceira mão”: a patroa que substitui a geladeira doando à sua empregada a anterior; já tendo uma geladeira, substitui-a pela recém-ganha, transferindo a velha para um parente que não a tem. De fato, roupas, utensílios, eletrodomésticos ou mesmo ajuda financeira para a compra de um lote ou cesta de materiais de construção advêm muitas vezes desta sociedade-providência fluida, mas presente na agenda das estratégias de reprodução da família.
Isto explica um modo de reciclagem dos bens de consumo. Demonstra igualmente que a cultura do apadrinhamento perpetua no cenário da modernidade brasileira. As classes média e alta parecem preferir ajudar apadrinhados concretos que financiar serviços social públicos.
A solidariedade missionária é um terceiro componente nesta difícil e precária sobrevivência das famílias empobrecidas.
A Igreja Católica, Protestante, Espirita ou seitas afro-brasileiras compõem o projeto de reprodução social das famílias empobrecidas. A Igreja é sempre uma porta que acalenta a esperança. Através de seus programas pastorais representa um suporte espiritual, mas especialmente um suporte emocional, afetivo e material. É a escola para aprender a viver na cidade, um canal de organização para a conquista de serviços públicos, um canal de convivência a partir do culto; um espaço de lazer, de cura dos doentes e de uma assistência social que, embora muitas vezes paliativa, é próxima e mais acessível.
A Igreja se faz presente no cotidiano da vida das famílias e comunidades. É a instituição com maior credibilidade para está população. É através dele que fluía sociedade-providência organizada, que cria serviços assistenciais e de defesa para a imensa demanda de justiça que esta população expressa. É também contraditoriamente, muitas vezes, o amortecedor da revolta e indignação com a injustiça. Por isso, em muitos casos, as obras da igreja criam uma cumplicidade com a pobreza, reproduzindo o “apartheid” social que se assiste.
Mas, sem dúvida, é a ação de algumas igrejas que estabelece princípios facilitadores de valorização de um trabalho coletivo como condição de mudança.
São, na maioria das vezes, as instituições religiosas, mais do que os partidos políticos ou os agentes públicos, que formam as bases para o salto organizativo da população, expresso nos movimentos de luta por moradia, saúde, saneamento, transporte etc.
É neste processo que nascem projetos coletivos para satisfação de necessidades comuns.
Estas solidariedades e processos são vividos, no entanto, com contradições e conflitos próprios ao confinamento a que estão submetidos.
Os barracos de favela, os cômodos de cortiços, os bairros periféricos que não garantem privacidade, acabam por esgarçar os vínculos maiores da família nuclear.
O direito à privacidade não é sequer sonhados pelos grupos familiares empobrecidos. Este quadro se completa pela ausência de usufruto de bens e serviços mínimos à sobrevivência material (saneamento básico, coleta de lixo, transporte, trabalho...)
Outro elemento esgarçador das relações é a paisagem/condições de confinamento homogêneo da pobreza – amontoado de barracos e de habitações do tipo Pró-Morar (BNH), paisagem típica do “apartheid”. É a igualdade homogeneizada na miséria. Todos que ali convivem têm um mesmo signo: salários baixos, exclusão, discriminação.
Há que se destacar também a exclusão persistente de bens culturais neste cenário de “apartheid” social. Com a ausência de trocas culturais e sem acesso a serviços de educação, lazer e cultura, as famílias possuem poucas ferramentas para romper com sua identidade de excluídos.
Diante desta clara exclusão e de uma sobrevivência marcada pela submissão ao “apartheid” social, algumas constatações ficam claras.
Forjada na cultura da subalternidade, a submissão dos indivíduos se transforma em sina. Com ela convivem numa alienação consentida. O uso da bebida alcoólica pelos adultos ou a cola de sapateiro por crianças/adolescentes parece ser um vício compulsório à vida desta população, seja porque já enganou ou engana a fome, seja porque, na exclusão e na discriminação a que estão submetidos, só lhes resta alienar-se cada vez mais.
A ausência de privacidade, ou melhor, a co-habitação com a promiscuidade nos 365 dias do ano, ano após ano.
As condições do cotidiano familiar aqui descritas querem fundamentar um novo olhar sobre os chamados maus-tratos provocados pelas famílias em suas crianças. Em geral, enfatizam-se os altos índices de maus-tratos produzidos pela família, culpando –as “tout-court”. Não se aprofunda sobre esta paisagem de violência e maus-tratos sofridos cotidianamente pela própria família.

A família brasileira na agenda da politica social
Sem dúvida, é preciso constatar que a família tem sido uma ilustre desconhecida nas diretrizes e programas propostos pela política social brasileira.
Em realidade, as atenções hoje prestadas à família são extremamente conservadoras, inercias e só justificáveis no contexto da cultura tutelar dominante. Exemplo diste é a enorme resistência a programas de complementação de renda familiar já existentes como prática social há dezenas de anos em vários países do mundo. Prefere-se ainda a distribuição de ajudas em espécie do tipo cesta alimentar, enxovais de bebê, cesta de medicamentos etc.
Outro exemplo é a nítida preferência por abrigar em “orfanatos” e casas-abrigo crianças abandonadas ou em risco de abandono.
Programas de guarda de crianças em famílias substitutas na própria comunidade são opções correntes em vários países. Este tipo de guarda, opção mais recomendável para a criança e menos onerosa para o Estado, não ocorre por resistência ao usual subsídio financeiro destinado diretamente e supervisionado tecnicamente, como ocorre em programas desta natureza em outros países.
Esquece-se que o Estado tem um papel normatizador, de assessoria e de controle. Não se raciocina em termos de custo/benefício e da busca de resultados mais eficazes. Neste caso em particular, uma criança em abrigo custa geralmente mais de dois salários mínimos por mês e seu uso generalizado fere princípios básicos estabelecidos em Estatuto da Criança e do Adolescente, referentes ao direito da criança à convivência familiar e comunitária.
Estes exemplos querem apenas instigar a reflexão sobre a atenção às famílias no Brasil.
De fato, os abandonados maiores são hoje as próprias famílias e não suas resultantes: crianças precocemente internadas em abrigos, meninos/as de rua...

Macro-políticas que pressupõe a introdução da família na agenda da política social
Sem dúvida, o Estado brasileiro precisa investir com urgência numa politica social de qualidade com objetivos de erradicação da miséria. A descentralização e a municipalização também são condições fundamentais.
As desigualdades sociais e é preciso uma radical redistribuição de renda. O salário mínimo atual de 60 dólares mensais é um reforço à miséria, à exclusão e ao “apartheid” social.
Políticas de geração massiva de empregos, assentamentos de famílias no campo, saneamento básico, programas de segurança alimentar devem ser a base primeira da atenção às famílias brasileiras.

Micro-políticas de âmbito municipal na atenção à família
No âmbito da sobrevivência e da existência cotidiana familiar e comunitária, algumas ações precisam, além de compensar, alterar esse mesmo cotidiano.
É preciso retomar as unidades família e comunidade como ponto de partida e práticas sociais alterativas e não simplesmente alternativas.
Isto significa que a família, tal qual a comunidade, precisa de apoios direcionados ao maior e melhor usufruto de bens e serviços indispensáveis à alteração da qualidade de vida e exclusão a que estão submetidas.
A saúde e a educação são serviços estratégicos e essenciais. Porém não bastam consultas médicas garantidas e a matricula da criança na escola.
O sucesso da atenção à saúde e à educação depende da conjugação de ações e apoios advindos das demais políticas e sobretudo de uma rede de apoio e envolvimento das famílias e comunidades no usufruto eficaz destas atenções básicas.

Uma pauta concreta de atenção mínima às famílias
A priorização da família na agenda da politica social envolve necessariamente programas de geração de emprego e renda; rede de serviços comunitários de apoio psico-social e cultural; complementação da renda familiar.
As ações hoje são assistencialistas e tutelares, o que precisa ser erradicado em um projeto político de compromisso ético para as famílias brasileiras.

1)    Programas de geração de emprego e renda
Destinados a famílias empobrecidas

2)    Rede de serviços comunitários de apoio psicossocial e cultura a famílias
Alguns programas/serviços se destacam nesta forma intersetorial e interdisciplinar aqui enfatizados:
·         Programas de atenção à gestantes e nutrizes.
·         Serviços especializados de apoio psicossocial;
·         Programas de socialização e lazer;
·         Acesso á cultura.


3)    Complementação da renda familiar

Família e proteção social: questões atuais e limites da solidariedade familiar

Dalva Azevedo Gueiros

Este texto pretende apresentar uma contribuição para pensarmos a família ante suas configurações atuais e atribuídas como alternativa de proteção social. Temos observado que, à medida que o Estado restringe sua participação na “solução” de questões de determinados segmentos – como, por exemplo, crianças, adolescentes, idosos, portadores de deficiências e pessoas com problemas crônicos de saúde – a família tem sido chamada para preencher esta lacuna, sem receber dos poderes públicos a devida assistência para tanto.

Recentemente, realizando o estudo social de um caso de três crianças, que haviam sido abrigadas, verificamos que a família dessas crianças era composta pelo avô materno, quatro filhas deste e nove netos (filhos das quatro filhas que com ele viviam), todos residentes numa habitação pequena e em precárias condições; nesta família, os adultos que trabalham o fazem na condição de prestadores de serviços eventuais, sem vínculo empregatício. Nenhuma das crianças mantinha vínculo efetivo com seu genitor e algumas delas nem tinham o nome dele em sua certidão de nascimento. Aquelas cuja figura materna permanecia na casa gozavam do direito à convivência familiar. Entretanto, as três crianças cuja genitora havia sido recentemente presa foram obrigadas por solicitação do avô, que alegou ao Conselho Tutelar falta de condições para cuidar delas, graças à sua condição socioeconômica, sua idade avançada (56 anos) e a necessidade de trabalhar, pois não contava com nenhuma proteção social (benefício previdenciário ou outros). Este parece ser um caso que ilustra bem as decorrências da desproteção social em que vive a população brasileira, especialmente aquela mais pauperizada.

É importante termos clareza das questões mais relevantes vivenciadas pelas famílias com as quais trabalhamos. Tomando como referência a situação ilustrada anteriormente, observamos que alguns aspectos ai presentes como: ausência do pai, recaindo sobre a mãe toda a responsabilidade sobre sua prole; e o agrupamento de vários “núcleos” familiares num só, com condições mínimas de sobrevivência são recorrentes nas famílias em situações de maior vulnerabilidade.

Este panorama, comum à prática dos assistentes sociais, nos parece retratar  a ausência de políticas de proteção social à população das camadas sociais de baixa renda, em conseqüência do retraimento do Estado neste campo. É importante termos clareza das questões mais relevantes vivenciadas pelas famílias com as quais trabalhamos. Aspectos como: ausência de qualquer suporte por parte da esfera pública para o enfrentamento de situações limites; ausência de pais, recaindo sobre a mãe toda a responsabilidade da sua prole; agrupamento de vários “núcleos” familiares num só, com condições mínimas de sobrevivência, são recorrentes nas famílias em situações de maior vulnerabilidade. Autores do Serviço Social e outras áreas vêm apontando e problematizando este encolhimento do Estado e a própria despolitização da questão social e suas expressões, além dos consequentes reflexos nos padrões de proteção social.

Nosso intuito é discutir questões relativas à família, assim, é inevitável que no nosso cotidiano profissional deparemos com difíceis situações nas quais contamos somente com o suporte familiar para responder a questões relacionadas à infância, à adolescência, a portadores de deficiências ou de doenças crônicas.

1. Um breve histórico da família

Numa retrospectiva breve da história da família a partir do século X, tomando como base Aries (1981) veremos que, até o referido século a família, inclusive e termos de patrimônio, não tinha expressão.

A partir da segunda metade do século XIX, o processo de modernização e o movimento feminista provocam outras mudanças na família e o modelo patriarcal, vigente até então, passa a ser questionado. Começa então, a se desenvolver a família conjugal moderna, na qual o casamento se dá por escolha dos parceiros, com base no amor romântico, tendo como perspectiva a superação da dicotomia entre amor e sexo e novas formulações para os papeis do homem e da mulher no casamento.

A existência de traços da família patriarcal na família conjugal moderna persiste até o século XX. Esse processo de modernização se realiza de forma não linear, não existindo propriamente a superação de um “modelo” pelo outro. Alguns autores, entre eles Hobsbawn (1996) e Vaitsman (1994), apontam para a existência de dois momentos no processo de modernização do século XX, cada um deles condensando determinadas características:: um  momento vai de 1900 a 1960 e outro que se inicia em 1960.

2. O processo de modernização e a família

A família nuclear moderna, composta por pai, mãe e filhos, sejam eles biológicos ou adotados e que convivem e um lugar comum, foi o resultado do processo de transformação que separou o mundo do trabalho do mundo familiar. Consolidando a dimensão privada da família, contraria ao mundo publico. Tais mudanças significativas compreenderam as inovações tecnológicas e econômicas que alteraram a estrutura da sociedade capitalista. Com a urbanização e o crescimento das cidades da família foi adquirindo novas formas de organização e estruturação.

O século XX apresentou no que se referem à vida familiar algumas tendências que podem ser observadas na imensa maioria dos países do mundo ocidental e inclusive de outras regiões do planeta. São elas: o aumento da expectativa de vida a diminuição do índice de natalidade, a maior participação das mulheres no mercado de trabalho e um aumento nos índices de divórcios e separações.

A "nova" família termos a figura da mulher mais valorizada, pois passa a existir uma significativa igualdade entre os sexos, há um controle da natalidade, aumento de divórcios e novos casamentos. Na década de 1960 o Brasil evidencia um processo de mudança nos alicerces familiares no que se refere às relações entre sexualidade e reprodução, difunde-se a pílula anticoncepcional, que faz com que a mulher tenha liberdade e desvincule o sexo do conceito de reprodução, este que foi fortemente valorizado e tido como obrigatório em décadas passadas. Na década de 1970 há uma modificação no discurso feminista, a mulher passa a reivindicar o direito a maternidade, a opção de "escolha" se difundiu pelo mundo, a pressão social é reforçada pelas novas formas de reprodução.

Na década de 1980 temos o avanço das tecnologias reprodutivas, a inseminação artificial e a fertilização se difundiram e mais uma e reforçou o conceito de desvinculação da gravidez com a relação sexual entre homem e mulher.

E 1990 difundiu-se o reconhecimento a paternidade com o auxílio do exame de DNA. O exame passa a ser obrigatório nos casos em que há dúvida, ou que não se deseja reconhecer a paternidade da criança, sendo este fundamental para o fortalecimento do laço familiar.

No que diz respeito ao campo jurídico, houveram algumas mudanças ocasionadas pelas reivindicações de movimentos sociais que lutavam a favor dos direitos das crianças e do movimento feminista. A Constituição Federal de 1988 foi de suma importância para complementar o processo de mudança, nela a família brasileira é reconhecida como base da sociedade e concebida como sendo a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes (art. 226, parágrafo 4º) possibilitando-se a igualdade entre os cônjuges. Ainda segundo a autora, a Constituição Federal institui duas profundas alterações no núcleo familiar:

"1.a quebra da chefia conjugal masculina, tornando a sociedade conjugal compartilhada em direitos e deveres pelo homem e pela mulher;
2. o fim da diferenciação entre filhos legítimos e ilegítimos, reiterada pela Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), promulgado em 1990, que os define como "sujeito de direitos". (SARTI, 2000, p.24)


Caracterização e questões atuais da família

Caracterização de Família da Região Metropolitana de São Paulo;
Dados estatísticos Fundação Seade sobre “Condições de vida na região metropolitana de São Paulo – primeiros resultados 1998”. 1994-1998 – média familiar passou de 3,65 para 3,45 membros, redução das famílias numerosas;
Tipo de Família
Redução: do tipo casal com filhos/ou com parentes;
Crescimento do tipo casal sem filhos/ou parentes, chefe com filhos/ou parentes e principalmente pessoa sozinha.
O sexo do CHEFE
Tipo casal com ou sem filhos, o chefe aparece exclusivamente como sendo o homem;
Tipo monoparental, é majoritário o percentual de mulheres na chefia;
Participação dos filhos na renda familiar
É notória a participação de jovens até 16 anos e de crianças, na renda das camadas populares;
Uma em cada dez crianças na faixa etária de10 e 14 anos trabalha;

A Constituição Federal de 1988 incorporou algumas transformações da família contemporânea, mas segundo autora há questões que devem ser colocadas em debate: Casais ou mulheres que optam por não ter filhos; famílias constituídas por homossexuais, com constituição de família a partir da adoção via judicial, regulamentação pelo INSS da concessão de pensão por morte do companheiro(a) homossexual; gravidez na adolescência e como consequência a permanência da adolescente com seu filho na casa dos pais.

Questões atuais da Família

As configurações familiares que não contam com o reconhecimento social e legal, além de todas a questões vividas pelas demais famílias, ainda sofrem com o preconceitos expressos nas relações com amigos, vizinhos, escolas dos filhos e no trabalho.(p.117) A organização da família nesta ou naquela configuração pode representar: Para alguns, escolhas individuais inseridas num contexto relacional no qual vínculos com parentes, amigos ou colegas de trabalho estão mantidos; Para outros, circunstâncias de vida que não representam propriamente escolhas pessoais e que podem significar isolamento social, pois tais vínculos inexistem ou estão fragilizados, ficando, assim, o indivíduo numa condição de maior vulnerabilidade pessoal e social.(p.117)

Que papel é atribuído socialmente e legalmente a família no Brasil?
“É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.” Constituição Federal de 1988, artigo 227.

“Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e o filhos maiores têm o dever de ajudar a amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade.” Constituição Federal de 1988, artigo 229.

“Neste texto tivemos a preocupação de indicar alguns aspectos para pensarmos a família da qual se fala e para qual se voltam as limitadas políticas sociais existentes e os agentes executores de tais políticas, pois entendemos que a família condensa uma história, uma linguagem e códigos morais próprios, e, a partir deles e de sua condição social, organiza sua forma de inserção na sociedade e de socialização de seus membros. Assim, é preciso compreender suas particularidades e avaliar suas condições objetivas e subjetivas para assumir as responsabilidades que são atribuídas como “alternativa privativa para a questão social”, terminologia esta usada por YAZBEK (2001)”. (p.118)

Considerações Finais

Pode a solidariedade familiar suportar os efeitos da ausência de políticas públicas de proteção social voltadas para setores mais vulnerabilizados da nossa sociedade?

Diante da ausência de politicas públicas de proteção social que deveriam ser implementada pela esfera pública, deparamos, no nosso cotidiano profissional, com a pressão pra que encontremos junto à família respostas para graves situações vividas pelos indivíduos que dela fazem parte.

Conhecer a família da qual se fala e para qual muitas vezes dirigimos nossa prática profissional é muito importante; também é imprescindível compreender sua inserção social e o papel que a ela está sendo atualmente destinado; e, da mesma forma, é necessária a mobilização de recursos da esfera pública, visando a implementação de políticas públicas de caráter universalista que assegurem proteção social; entretanto, o mais fundamental é que o indivíduo e sua família tenham efetivas condições para prover sua autonomia, sejam respeitados em seus direitos civis e sociais acessos à educação, à saúde, à justiça e ao trabalho) e contem com a possibilidade de elevação do nível de qualidade de vida, aspectos estres inerentes à construção da cidadania.


O WELFARE STATE NO BRASIL CARACTERISTICAS E PERSPECTIVAS

Família: Redes, Laços e Políticas Sociais Reflexões sobre o trabalho social com famílias

Rosamélia Ferreira Guimarães
Silvana Cavichioli Gomes Almeida

Introdução

Na Europa e nos países de economia avançada, sobretudo naqueles que realizaram pesados investimentos sociais num modelo capitalista de Estado presente, regulador e provedor, observa-se a preocupação de repensar o sistema capitalista pós-Consenso de Washington, no que diz respeito à sua reconhecida incapacidade de promover situações econômicas de bem-estar social e de pleno emprego.
No contexto latino-americano , a partir da década de 1930, o foco principal das ciências sociais repousa sobre as relações macroestruturais da sociedade e na necessidade de o sistema capitalista reproduzir-se e expandir-se valendo-se da exploração do trabalho humano e da relação acúmulo/investimento. Essa perspectiva deixou a família poucas possibilidades de superação e de novidade em relação à ordem vigente, sendo vista, por muito tempo, como mera reprodutora da ordem burguesa, ou seja, como mero celeiro da mão-de-obra produtiva.
No cenário mundial, questões relativas aos temas família ganharam, recentemente, repercussão significativas. Em 1990, por exemplo, a Organização das Nações Unidas (ONU) instituiu o Ano Internacional da Família, chamando a atenção para políticas públicas que possibilitassem elevá-las como núcleo central de estudos.


As Famílias Pobres

Com a crise no mundo do trabalho, a abordagem sobre os temas de família ganha necessariamente novos contornos e especificidades. Famílias inteiras vem-se abaladas pelo desemprego estrutural. Os pais perdem seus postos de trabalhos, muitas vezes de maneira irrecuperável. Mulheres voltam ao mercado, não mais na figura de complementadoras da renda familiar, mas como principais responsáveis pelo orçamento domestico. Os filhos, por sua vez, vivem o assombro de uma sociedade que ameaça não lhes abrir o espaço do mercado formal de trabalho, a despeito de toda a dedicação e investimentos eventualmente realizados pela família em sua formação educacional e profissional.
Essas famílias estão diante do desafio de enfrentar, sem nenhuma proteção social, carências materiais e financeiras. Convivem, além disso, com graves conflitos relacionais. Essas dificuldades já são suficientes para caracterizar a situação por elas vivida como de violência social. A essas dificuldades somam-se episódios cotidianos de violência urbana, originados pelos grupos do narcotráfico e do crime organizado, compondo um quadro de acumulo e potencialização da violência familiar. Em outras palavras, as famílias pobres são o microcosmo da contradição social e o paiol de conflitos que, no mais das vezes, eclodem em múltiplas formas de violências. Contraditoriamente, descrevem um epopeia hercúlea e solidaria contra a enorme pressão social e econômica que joga a favor de seu estilhaçamento e da eliminação física de seus membros.
Os trabalho tem demonstrado que, mesmo em face da vivencia de conflitos acirrados e da violência instalada no seio da família, o grupo pode descortinar uma dimensão efetiva, de fortalecimento e potencialização de seus integrantes, tendo em vista recriar ou romper relações que também, que as ações e os programas sociais obtêm maior otimização dos recursos quando substituem o individuo pela família como objeto de sua intervenção.


O trabalho com famílias

Para seguir nessa nova abordagem, é preciso, em primeiro lugar afastar as ideias de que o trabalho com famílias pode ser conduzido de maneira pragmática, aleatória ou voluntarista. É necessário compreender, também, que o fato de as pessoas ou famílias estarem juntas não concretiza, per se, um procedimento grupo que possa conduzir seus membros a processos de autonomização e mudanças da realidade familiar e social.
O autor Pichon-Rivière (1986, 1998) tem sido o principal ponto de partida das referencias teóricas com as quais procuramos atuar no trabalho com grupo de famílias. Mas, além deste autor, os conhecimentos produzidos por aras diversas, tais como a sociologia, a psicologia e a antropologia, têm-se revelado fundamentais para o objetivo de tornar as orientações metodológicas e teóricas cada vez mais precisas.
Por entender que as reflexões sobre as metodologias do trabalho grupal com famílias são inadiáveis, relacionamos alguns de seus indicativos:
·         Inicia-se pela recepção dos membros presentes e apresentação da proposta de trabalho;
·         Um ou mais membros de uma mesma família que compareçam à reunião tornam-se representantes de seu universo familiar;
·         Essas pessoas constituirão grupo de no máximo quinze famílias, que se reunirão, semanal ou quinzenalmente, em espaço acolhedor e propício às discussões, sempre em mesmo local e horário, tendo objetivos comuns e mediante um contrato preciso e pactuado entre coordenadores e famílias;
·         Esse contrato deve ser revisto periodicamente, a fim de possibilitar aos membros do grupo a incorporação das constantes de tempo e espaço, além das discussões sobre o funcionamento do grupo e seus objetivos.

O processo de trabalho com grupos deve possibilitar reflexões sobre:
·         Os modelos e os papéis sociais e familiares;
·         As relações parentais e a conjugalidade;
·         A dinâmica dos vínculos familiares;
·         A violência que se reproduz dentro da família;
·         A violência social

Além disso, é fundamental ter como preocupação constante do processo de trabalho o estímulo a discussões sobre: ações solidárias; direitos sociais; propostas de geração de renda, capacitação e formação para o trabalho; direito à assistência; direito ao acesso e a à participação nos bens culturais e de lazer na cidade – ou seja, o grupo deve ser estimulado constantemente a refletir a efetivação das propostas de trabalho. Eis alguns:
·         Visitas domiciliares como instrumento de conhecimento sobre as famílias;
·         Entrevistas de acompanhamento;
·         Acesso aos bens culturais da cidade (teatro, museus, cursos etc.);
·         Promoção de avaliações contínuas para propiciar o redirecionamento do trabalho.

É igualmente relevante para uma avaliação positiva do trabalho social com famílias a garantia de que:
·         Serão assegurada à equipe uma formação sistemática na tríade de grupo, família e políticas/direitos sociais;
·         O planejamento de entrevistas a serem realizadas pelo técnicos contemplará um aprofundamento que de fato assegure a inserção das famílias.
·         A inserção dos técnicos na comunidade será efetiva, sendo-lhes permitido conhece-la e fazerem-se conhecidos;
·         Haverá a sistematização de diálogo constante com grupos e organizações da comunidade;
·         Os grupos terão oportunidade de conhecer e frequentar a rede de equipamentos sociais da região.


Considerações Finais

O momento político e social em que vivemos é particularmente significativo. Há, hoje, um tendência consolidada apontando a necessidade de se conhecerem e criarem ações para intervir nas contradições de hiatos sociais da sociedade brasileira. Nesse contexto, é possível prever seu esforço tendo em vista ampliar investimentos em políticas sociais que respondam a questões com geração de trabalho, erradicação da miséria e combate a fome.
No Brasil, as pesquisas devem ser aprofundadas não somente em razão dos avanços dos estudos realizados na França e em outros países; devem, sobretudo, inspirar-se no modelo das políticas sociais e dos programas que, a partir da Constituição de 1988, centram na família os focos principais de atuação – mesmo porque o fenômeno dos estudos da Europa, particularmente na França, é direcionado para uma outra pobreza, a chamada “nova pobreza”.

Isso significa que, no Brasil, as propostas de trabalho com famílias devem priorizar metodologias que lhes permitam sair do lugar solidário que hoje ocupam para o um espaço que gere solidariedade e seja facilitador de formas de enfrentamento das condições econômicas, sociais e politicas: um espaço no qual a ética seja o valor fundante.

POR UM REFORÇO DA PROTEÇÃO À FAMÍLIA: contribuição à reforma dos programas de assistência social no Brasil


Sônia Miriam Draibe

O objetivo mais ambicioso desse artigo é o de contribuir para com o debater sobre reforma dos programas sociais brasileiros, considerando e já recentemente aprovada Lei Orgânica da Assistência Social.
É a unidade familiar – e não os indivíduos – que se torna como base para considerar o eixo dos programas dirigidos ao grupo materno-infantil e aos adolescentes. A justificativa dessa opção é desenvolvida no texto.
Mas também a natureza da oferta e distribuição de serviços sociais está contemplada na nossa especulação sobre a viabilização de programas sociais assistenciais mais eficientes do que aqueles com que se contou até agora.
O presente estudo focaliza crianças  adolescentes carentes e suas famílias e limita-se a examinar um programa de transferência de merenda que, somado a outros já existentes, poderá melhorar suas condições de vida e o acesso aos serviços educacionais e de saúde.

Os argumentos gerais

A economia da unidade familiar como parâmetro da proteção social à população pobre

Não são nem as razões ideológicas nem mesmo as sociológicas as que nos parecem mais adequadas para justificar a tomada da família como referencia de programas sociais para a pobreza.
As expressões estratégia familiar e estratégia de sobrevivência foram cunhadas nos estudos e abordagens antropológicas dos comportamentos de famílias pobres para dar conta do modo integrado como que agem, visando otimizar tanto o acesso quanto a distribuição dos recursos que  logram alcançar. Ancorados na organização e prioridades internas que, na prática, estabelecem, estes comportamentos definem, a cada momento do ciclo familiar, o lugar de cada um dos seus membros na unidade doméstica. A economia familiar ganha assim concreção, seja pelos seus aspectos imediatamente econômicos (integração de renda e de consumo), seja pela racionalidade especifica que ai se constrói e passa a presidir os esforços de acesso e distribuição a bens simbólicos e materiais.
Dimensões, composição sexo-idade, características do chefe e alterações que ocorrem durante o ciclo vital familiar são, na opinião desses autores, determinações essenciais dos tipos de famílias e das suas oportunidades diferenciais de serem ais ou menos pobres, de satisfazerem mais ou menos suas necessidades sociais básicas, de verem ou não aumentadas as suas chances de escaparem do circulo férreo da reprodução intergeneracional da pobreza.

Transferências de renda x Distribuição de bens e serviços

Mas também aqueles argumentos sustentam a proposição de um programa que, quanto à sua natureza, é um programa de transferência de renda, isto é, de recursos em dinheiro, e não apenas um programa a mais de distribuição de bens e serviços.
Ora, quando consideradas as economias e estratégias familiares, principalmente das famílias pobres, ganha maior sentido a proposição deum programa de transferência de renda, ou, se se quiser, de reforço da renda familiar, alternativa mais adequada e eficaz, seja de comprada à distribuição discreta de bens e serviços, seja se confrontada com o complemento à renda individual. Afinal, as famílias, principalmente as pobres, agem como unidades de renda e consumo, como já se afirmou, e desenvolvem estratégias de maximização dos recursos de todos os seus membros, ampliando seus efeitos sobre todos. Ora, é de se esperar que um adicional sobre sua renda venha reforçar estas estratégias, operando que um adicional sobre sua renda venha reforçar estas estratégias, operando com maior eficácia na melhoria do bem-estar dos seus componentes.
Programas de renda mínima ou de renda familiar mínima não significam necessariamente a supressão de todos os programas sociais públicos nem são aqui apresentados e justificados como seus melhores substitutos. O fundamental parece ser o adicional de renda e não a sua troca por programas existentes, então, ao invés de opor formas de distribuição de rendas, está se enfatizando a importância de reforçar a renda das famílias pobres através de um programa especifico, nos moldes de muitos países, como se vera a seguir.

A experiência internacional: um rápido exame
A proteção à família não é novidade nos sistemas de proteção, nem pode ser reduzida, como é de gosto de alguns, a propósitos natalistas de países que enfrentam fracas taxas de reprodução demográfica. Na evolução de “Welfare State”, principalmente nos anos 50 em diante, a proteção familiar parece ter atravessado duas fases. Na primeira, trata-se de reforçar a renda dos segurados da previdência social no momento do nascimento dos seus filhos, já que sabidamente ai se concentram gastos. Auxilios-natalidade tiveram esse significado em quase todos os sistemas previdenciários conhecidos, entre eles o nosso.
Numa segunda etapa, principalmente após os anos 70, programas de assistência familiar pretenderam reforçar a capacidade das famílias na criação dos seus filhos – um “risco” social cada vez mais difícil de ser enfrentado, particularmente nas sociedades muito urbanizadas e com grande participação feminina no mercado de trabalho. Nessa evolução, não deixaram de entrelaçar também razoes de estímulos demográficos, mas não foi essa a maior razão, nem a mais frequente, na maioria dos países.

Os argumentos específicos: algumas características da pobreza do Brasil
São características particulares da pobreza no Brasil as que apoiam proposições como a que se faz: introdução do programa de renda mínima através de um programa de transferência de dinheiro a famílias pobres. Tais características são hoje, após o inicio do Programa de Combate a Fome e a Miséria pela Vida (PCFMV – O Programa do Betinho), já bem conhecidos, o que permite referências sumarias, suficientes para o presente propósito.
Deixar a escola para trabalhar, permanecer mais repetir o ano; sair e voltar da escola segundo as maiores e menores pressões para trabalhar – este é o ciclo repetitivo da relação trabalho/escola das crianças e adolescentes pobres, isto é, de metade da população indigente brasileira. Que programas de combate á pobreza comecem por aqueles que lhes são especialmente afetados parece-nos, além de justo, logico e urgente.
Tão importante quanto a questão dos recursos que poderiam financiar programas desta natureza é a que se refere a moldagem institucional e aos mecanismos operativos. Não é pretensão desenhar aqui o programa. Mas quer-se indicar alguns princípios e possibilidades institucionais que parecem adequados.
Na hipótese da criação de um programa de reforço da renda familiar a famílias pobres, a sugestão institucional que se faz é a de retirar o salário-família no plano de benefícios. No entanto, a Previdência contribuiria com o novo programa, com um valor equivalente ao gasto histórico que vinha tendo com o salário-família.
A maior efetividade do programa poderá advir de certas condicionalidades que deverão ser exigidas para a habilitação das famílias: prova das matriculas escolares de seus filhos, assim como da sua permanência na escola; carteira de saúde das crianças e adolescentes emitidas e controladas pelos postos de saúde.

A Campanha da Cidadania contra a Fome, a Miseria e pela Vida vem demonstrando graus inusitados ou quase esquecidos de solidariedade no país. Deve e poder ser sucedida por firmes ações públicas que dêem continuidade e permanência aos esforços de combate à pobreza. Um programa de reforço da renda familiar das famílias pobres, a ser somado a outros já existentes, seguramente produzirá impacto sobre as condições de vida de crianças e adolescentes, mobilizando recursos relativamente modestos e assimiláveis pela estrutura de gasto público.