segunda-feira, 4 de abril de 2016

Família: Redes, Laços e Políticas Sociais Reflexões sobre o trabalho social com famílias

Rosamélia Ferreira Guimarães
Silvana Cavichioli Gomes Almeida

Introdução

Na Europa e nos países de economia avançada, sobretudo naqueles que realizaram pesados investimentos sociais num modelo capitalista de Estado presente, regulador e provedor, observa-se a preocupação de repensar o sistema capitalista pós-Consenso de Washington, no que diz respeito à sua reconhecida incapacidade de promover situações econômicas de bem-estar social e de pleno emprego.
No contexto latino-americano , a partir da década de 1930, o foco principal das ciências sociais repousa sobre as relações macroestruturais da sociedade e na necessidade de o sistema capitalista reproduzir-se e expandir-se valendo-se da exploração do trabalho humano e da relação acúmulo/investimento. Essa perspectiva deixou a família poucas possibilidades de superação e de novidade em relação à ordem vigente, sendo vista, por muito tempo, como mera reprodutora da ordem burguesa, ou seja, como mero celeiro da mão-de-obra produtiva.
No cenário mundial, questões relativas aos temas família ganharam, recentemente, repercussão significativas. Em 1990, por exemplo, a Organização das Nações Unidas (ONU) instituiu o Ano Internacional da Família, chamando a atenção para políticas públicas que possibilitassem elevá-las como núcleo central de estudos.


As Famílias Pobres

Com a crise no mundo do trabalho, a abordagem sobre os temas de família ganha necessariamente novos contornos e especificidades. Famílias inteiras vem-se abaladas pelo desemprego estrutural. Os pais perdem seus postos de trabalhos, muitas vezes de maneira irrecuperável. Mulheres voltam ao mercado, não mais na figura de complementadoras da renda familiar, mas como principais responsáveis pelo orçamento domestico. Os filhos, por sua vez, vivem o assombro de uma sociedade que ameaça não lhes abrir o espaço do mercado formal de trabalho, a despeito de toda a dedicação e investimentos eventualmente realizados pela família em sua formação educacional e profissional.
Essas famílias estão diante do desafio de enfrentar, sem nenhuma proteção social, carências materiais e financeiras. Convivem, além disso, com graves conflitos relacionais. Essas dificuldades já são suficientes para caracterizar a situação por elas vivida como de violência social. A essas dificuldades somam-se episódios cotidianos de violência urbana, originados pelos grupos do narcotráfico e do crime organizado, compondo um quadro de acumulo e potencialização da violência familiar. Em outras palavras, as famílias pobres são o microcosmo da contradição social e o paiol de conflitos que, no mais das vezes, eclodem em múltiplas formas de violências. Contraditoriamente, descrevem um epopeia hercúlea e solidaria contra a enorme pressão social e econômica que joga a favor de seu estilhaçamento e da eliminação física de seus membros.
Os trabalho tem demonstrado que, mesmo em face da vivencia de conflitos acirrados e da violência instalada no seio da família, o grupo pode descortinar uma dimensão efetiva, de fortalecimento e potencialização de seus integrantes, tendo em vista recriar ou romper relações que também, que as ações e os programas sociais obtêm maior otimização dos recursos quando substituem o individuo pela família como objeto de sua intervenção.


O trabalho com famílias

Para seguir nessa nova abordagem, é preciso, em primeiro lugar afastar as ideias de que o trabalho com famílias pode ser conduzido de maneira pragmática, aleatória ou voluntarista. É necessário compreender, também, que o fato de as pessoas ou famílias estarem juntas não concretiza, per se, um procedimento grupo que possa conduzir seus membros a processos de autonomização e mudanças da realidade familiar e social.
O autor Pichon-Rivière (1986, 1998) tem sido o principal ponto de partida das referencias teóricas com as quais procuramos atuar no trabalho com grupo de famílias. Mas, além deste autor, os conhecimentos produzidos por aras diversas, tais como a sociologia, a psicologia e a antropologia, têm-se revelado fundamentais para o objetivo de tornar as orientações metodológicas e teóricas cada vez mais precisas.
Por entender que as reflexões sobre as metodologias do trabalho grupal com famílias são inadiáveis, relacionamos alguns de seus indicativos:
·         Inicia-se pela recepção dos membros presentes e apresentação da proposta de trabalho;
·         Um ou mais membros de uma mesma família que compareçam à reunião tornam-se representantes de seu universo familiar;
·         Essas pessoas constituirão grupo de no máximo quinze famílias, que se reunirão, semanal ou quinzenalmente, em espaço acolhedor e propício às discussões, sempre em mesmo local e horário, tendo objetivos comuns e mediante um contrato preciso e pactuado entre coordenadores e famílias;
·         Esse contrato deve ser revisto periodicamente, a fim de possibilitar aos membros do grupo a incorporação das constantes de tempo e espaço, além das discussões sobre o funcionamento do grupo e seus objetivos.

O processo de trabalho com grupos deve possibilitar reflexões sobre:
·         Os modelos e os papéis sociais e familiares;
·         As relações parentais e a conjugalidade;
·         A dinâmica dos vínculos familiares;
·         A violência que se reproduz dentro da família;
·         A violência social

Além disso, é fundamental ter como preocupação constante do processo de trabalho o estímulo a discussões sobre: ações solidárias; direitos sociais; propostas de geração de renda, capacitação e formação para o trabalho; direito à assistência; direito ao acesso e a à participação nos bens culturais e de lazer na cidade – ou seja, o grupo deve ser estimulado constantemente a refletir a efetivação das propostas de trabalho. Eis alguns:
·         Visitas domiciliares como instrumento de conhecimento sobre as famílias;
·         Entrevistas de acompanhamento;
·         Acesso aos bens culturais da cidade (teatro, museus, cursos etc.);
·         Promoção de avaliações contínuas para propiciar o redirecionamento do trabalho.

É igualmente relevante para uma avaliação positiva do trabalho social com famílias a garantia de que:
·         Serão assegurada à equipe uma formação sistemática na tríade de grupo, família e políticas/direitos sociais;
·         O planejamento de entrevistas a serem realizadas pelo técnicos contemplará um aprofundamento que de fato assegure a inserção das famílias.
·         A inserção dos técnicos na comunidade será efetiva, sendo-lhes permitido conhece-la e fazerem-se conhecidos;
·         Haverá a sistematização de diálogo constante com grupos e organizações da comunidade;
·         Os grupos terão oportunidade de conhecer e frequentar a rede de equipamentos sociais da região.


Considerações Finais

O momento político e social em que vivemos é particularmente significativo. Há, hoje, um tendência consolidada apontando a necessidade de se conhecerem e criarem ações para intervir nas contradições de hiatos sociais da sociedade brasileira. Nesse contexto, é possível prever seu esforço tendo em vista ampliar investimentos em políticas sociais que respondam a questões com geração de trabalho, erradicação da miséria e combate a fome.
No Brasil, as pesquisas devem ser aprofundadas não somente em razão dos avanços dos estudos realizados na França e em outros países; devem, sobretudo, inspirar-se no modelo das políticas sociais e dos programas que, a partir da Constituição de 1988, centram na família os focos principais de atuação – mesmo porque o fenômeno dos estudos da Europa, particularmente na França, é direcionado para uma outra pobreza, a chamada “nova pobreza”.

Isso significa que, no Brasil, as propostas de trabalho com famílias devem priorizar metodologias que lhes permitam sair do lugar solidário que hoje ocupam para o um espaço que gere solidariedade e seja facilitador de formas de enfrentamento das condições econômicas, sociais e politicas: um espaço no qual a ética seja o valor fundante.

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