Rosamélia Ferreira Guimarães
Silvana Cavichioli Gomes Almeida
Introdução
Na Europa e nos
países de economia avançada, sobretudo naqueles que realizaram pesados
investimentos sociais num modelo capitalista de Estado presente, regulador e
provedor, observa-se a preocupação de repensar o sistema capitalista
pós-Consenso de Washington, no que diz respeito à sua reconhecida incapacidade
de promover situações econômicas de bem-estar social e de pleno emprego.
No contexto
latino-americano , a partir da década de 1930, o foco principal das ciências
sociais repousa sobre as relações macroestruturais da sociedade e na necessidade
de o sistema capitalista reproduzir-se e expandir-se valendo-se da exploração
do trabalho humano e da relação acúmulo/investimento. Essa perspectiva deixou a
família poucas possibilidades de superação e de novidade em relação à ordem
vigente, sendo vista, por muito tempo, como mera reprodutora da ordem burguesa,
ou seja, como mero celeiro da mão-de-obra produtiva.
No cenário mundial,
questões relativas aos temas família
ganharam, recentemente, repercussão significativas. Em 1990, por exemplo, a Organização
das Nações Unidas (ONU) instituiu o Ano Internacional da Família, chamando a
atenção para políticas públicas que possibilitassem elevá-las como núcleo
central de estudos.
As
Famílias Pobres
Com a crise no mundo
do trabalho, a abordagem sobre os temas de família ganha necessariamente novos
contornos e especificidades. Famílias inteiras vem-se abaladas pelo desemprego
estrutural. Os pais perdem seus postos de trabalhos, muitas vezes de maneira irrecuperável.
Mulheres voltam ao mercado, não mais na figura de complementadoras da renda
familiar, mas como principais responsáveis pelo orçamento domestico. Os filhos,
por sua vez, vivem o assombro de uma sociedade que ameaça não lhes abrir o
espaço do mercado formal de trabalho, a despeito de toda a dedicação e
investimentos eventualmente realizados pela família em sua formação educacional
e profissional.
Essas famílias estão
diante do desafio de enfrentar, sem nenhuma proteção social, carências materiais
e financeiras. Convivem, além disso, com graves conflitos relacionais. Essas
dificuldades já são suficientes para caracterizar a situação por elas vivida
como de violência social. A essas dificuldades somam-se episódios cotidianos de
violência urbana, originados pelos grupos do narcotráfico e do crime
organizado, compondo um quadro de acumulo e potencialização da violência
familiar. Em outras palavras, as famílias pobres são o microcosmo da
contradição social e o paiol de conflitos que, no mais das vezes, eclodem em
múltiplas formas de violências. Contraditoriamente, descrevem um epopeia
hercúlea e solidaria contra a enorme pressão social e econômica que joga a
favor de seu estilhaçamento e da eliminação física de seus membros.
Os trabalho tem
demonstrado que, mesmo em face da vivencia de conflitos acirrados e da
violência instalada no seio da família, o grupo pode descortinar uma dimensão
efetiva, de fortalecimento e potencialização de seus integrantes, tendo em
vista recriar ou romper relações que também, que as ações e os programas
sociais obtêm maior otimização dos recursos quando substituem o individuo pela
família como objeto de sua intervenção.
O
trabalho com famílias
Para seguir nessa
nova abordagem, é preciso, em primeiro lugar afastar as ideias de que o
trabalho com famílias pode ser conduzido de maneira pragmática, aleatória ou
voluntarista. É necessário compreender, também, que o fato de as pessoas ou
famílias estarem juntas não concretiza, per
se, um procedimento grupo que possa conduzir seus membros a processos de
autonomização e mudanças da realidade familiar e social.
O autor
Pichon-Rivière (1986, 1998) tem sido o principal ponto de partida das
referencias teóricas com as quais procuramos atuar no trabalho com grupo de
famílias. Mas, além deste autor, os conhecimentos produzidos por aras diversas,
tais como a sociologia, a psicologia e a antropologia, têm-se revelado
fundamentais para o objetivo de tornar as orientações metodológicas e teóricas
cada vez mais precisas.
Por entender que as reflexões
sobre as metodologias do trabalho grupal com famílias são inadiáveis,
relacionamos alguns de seus indicativos:
·
Inicia-se
pela recepção dos membros presentes e apresentação da proposta de trabalho;
·
Um
ou mais membros de uma mesma família que compareçam à reunião tornam-se
representantes de seu universo familiar;
·
Essas
pessoas constituirão grupo de no máximo quinze famílias, que se reunirão,
semanal ou quinzenalmente, em espaço acolhedor e propício às discussões, sempre
em mesmo local e horário, tendo objetivos comuns e mediante um contrato preciso
e pactuado entre coordenadores e famílias;
·
Esse
contrato deve ser revisto periodicamente, a fim de possibilitar aos membros do
grupo a incorporação das constantes de tempo e espaço, além das discussões sobre
o funcionamento do grupo e seus objetivos.
O processo de
trabalho com grupos deve possibilitar reflexões sobre:
·
Os
modelos e os papéis sociais e familiares;
·
As
relações parentais e a conjugalidade;
·
A
dinâmica dos vínculos familiares;
·
A
violência que se reproduz dentro da família;
·
A
violência social
Além disso, é
fundamental ter como preocupação constante do processo de trabalho o estímulo a
discussões sobre: ações solidárias; direitos sociais; propostas de geração de
renda, capacitação e formação para o trabalho; direito à assistência; direito
ao acesso e a à participação nos bens culturais e de lazer na cidade – ou seja,
o grupo deve ser estimulado constantemente a refletir a efetivação das
propostas de trabalho. Eis alguns:
·
Visitas
domiciliares como instrumento de conhecimento sobre as famílias;
·
Entrevistas
de acompanhamento;
·
Acesso
aos bens culturais da cidade (teatro, museus, cursos etc.);
·
Promoção
de avaliações contínuas para propiciar o redirecionamento do trabalho.
É igualmente
relevante para uma avaliação positiva do trabalho social com famílias a
garantia de que:
·
Serão
assegurada à equipe uma formação sistemática na tríade de grupo, família e
políticas/direitos sociais;
·
O
planejamento de entrevistas a serem realizadas pelo técnicos contemplará um
aprofundamento que de fato assegure a inserção das famílias.
·
A
inserção dos técnicos na comunidade será efetiva, sendo-lhes permitido
conhece-la e fazerem-se conhecidos;
·
Haverá
a sistematização de diálogo constante com grupos e organizações da comunidade;
·
Os
grupos terão oportunidade de conhecer e frequentar a rede de equipamentos
sociais da região.
Considerações
Finais
O momento político e
social em que vivemos é particularmente significativo. Há, hoje, um tendência
consolidada apontando a necessidade de se conhecerem e criarem ações para
intervir nas contradições de hiatos sociais da sociedade brasileira. Nesse
contexto, é possível prever seu esforço tendo em vista ampliar investimentos em
políticas sociais que respondam a questões com geração de trabalho, erradicação
da miséria e combate a fome.
No Brasil, as
pesquisas devem ser aprofundadas não somente em razão dos avanços dos estudos
realizados na França e em outros países; devem, sobretudo, inspirar-se no
modelo das políticas sociais e dos programas que, a partir da Constituição de
1988, centram na família os focos principais de atuação – mesmo porque o
fenômeno dos estudos da Europa, particularmente na França, é direcionado para
uma outra pobreza, a chamada “nova pobreza”.
Isso significa que,
no Brasil, as propostas de trabalho com famílias devem priorizar metodologias
que lhes permitam sair do lugar solidário que hoje ocupam para o um espaço que
gere solidariedade e seja facilitador de formas de enfrentamento das condições
econômicas, sociais e politicas: um espaço no qual a ética seja o valor
fundante.
Nenhum comentário:
Postar um comentário