segunda-feira, 4 de abril de 2016

POR UM REFORÇO DA PROTEÇÃO À FAMÍLIA: contribuição à reforma dos programas de assistência social no Brasil


Sônia Miriam Draibe

O objetivo mais ambicioso desse artigo é o de contribuir para com o debater sobre reforma dos programas sociais brasileiros, considerando e já recentemente aprovada Lei Orgânica da Assistência Social.
É a unidade familiar – e não os indivíduos – que se torna como base para considerar o eixo dos programas dirigidos ao grupo materno-infantil e aos adolescentes. A justificativa dessa opção é desenvolvida no texto.
Mas também a natureza da oferta e distribuição de serviços sociais está contemplada na nossa especulação sobre a viabilização de programas sociais assistenciais mais eficientes do que aqueles com que se contou até agora.
O presente estudo focaliza crianças  adolescentes carentes e suas famílias e limita-se a examinar um programa de transferência de merenda que, somado a outros já existentes, poderá melhorar suas condições de vida e o acesso aos serviços educacionais e de saúde.

Os argumentos gerais

A economia da unidade familiar como parâmetro da proteção social à população pobre

Não são nem as razões ideológicas nem mesmo as sociológicas as que nos parecem mais adequadas para justificar a tomada da família como referencia de programas sociais para a pobreza.
As expressões estratégia familiar e estratégia de sobrevivência foram cunhadas nos estudos e abordagens antropológicas dos comportamentos de famílias pobres para dar conta do modo integrado como que agem, visando otimizar tanto o acesso quanto a distribuição dos recursos que  logram alcançar. Ancorados na organização e prioridades internas que, na prática, estabelecem, estes comportamentos definem, a cada momento do ciclo familiar, o lugar de cada um dos seus membros na unidade doméstica. A economia familiar ganha assim concreção, seja pelos seus aspectos imediatamente econômicos (integração de renda e de consumo), seja pela racionalidade especifica que ai se constrói e passa a presidir os esforços de acesso e distribuição a bens simbólicos e materiais.
Dimensões, composição sexo-idade, características do chefe e alterações que ocorrem durante o ciclo vital familiar são, na opinião desses autores, determinações essenciais dos tipos de famílias e das suas oportunidades diferenciais de serem ais ou menos pobres, de satisfazerem mais ou menos suas necessidades sociais básicas, de verem ou não aumentadas as suas chances de escaparem do circulo férreo da reprodução intergeneracional da pobreza.

Transferências de renda x Distribuição de bens e serviços

Mas também aqueles argumentos sustentam a proposição de um programa que, quanto à sua natureza, é um programa de transferência de renda, isto é, de recursos em dinheiro, e não apenas um programa a mais de distribuição de bens e serviços.
Ora, quando consideradas as economias e estratégias familiares, principalmente das famílias pobres, ganha maior sentido a proposição deum programa de transferência de renda, ou, se se quiser, de reforço da renda familiar, alternativa mais adequada e eficaz, seja de comprada à distribuição discreta de bens e serviços, seja se confrontada com o complemento à renda individual. Afinal, as famílias, principalmente as pobres, agem como unidades de renda e consumo, como já se afirmou, e desenvolvem estratégias de maximização dos recursos de todos os seus membros, ampliando seus efeitos sobre todos. Ora, é de se esperar que um adicional sobre sua renda venha reforçar estas estratégias, operando que um adicional sobre sua renda venha reforçar estas estratégias, operando com maior eficácia na melhoria do bem-estar dos seus componentes.
Programas de renda mínima ou de renda familiar mínima não significam necessariamente a supressão de todos os programas sociais públicos nem são aqui apresentados e justificados como seus melhores substitutos. O fundamental parece ser o adicional de renda e não a sua troca por programas existentes, então, ao invés de opor formas de distribuição de rendas, está se enfatizando a importância de reforçar a renda das famílias pobres através de um programa especifico, nos moldes de muitos países, como se vera a seguir.

A experiência internacional: um rápido exame
A proteção à família não é novidade nos sistemas de proteção, nem pode ser reduzida, como é de gosto de alguns, a propósitos natalistas de países que enfrentam fracas taxas de reprodução demográfica. Na evolução de “Welfare State”, principalmente nos anos 50 em diante, a proteção familiar parece ter atravessado duas fases. Na primeira, trata-se de reforçar a renda dos segurados da previdência social no momento do nascimento dos seus filhos, já que sabidamente ai se concentram gastos. Auxilios-natalidade tiveram esse significado em quase todos os sistemas previdenciários conhecidos, entre eles o nosso.
Numa segunda etapa, principalmente após os anos 70, programas de assistência familiar pretenderam reforçar a capacidade das famílias na criação dos seus filhos – um “risco” social cada vez mais difícil de ser enfrentado, particularmente nas sociedades muito urbanizadas e com grande participação feminina no mercado de trabalho. Nessa evolução, não deixaram de entrelaçar também razoes de estímulos demográficos, mas não foi essa a maior razão, nem a mais frequente, na maioria dos países.

Os argumentos específicos: algumas características da pobreza do Brasil
São características particulares da pobreza no Brasil as que apoiam proposições como a que se faz: introdução do programa de renda mínima através de um programa de transferência de dinheiro a famílias pobres. Tais características são hoje, após o inicio do Programa de Combate a Fome e a Miséria pela Vida (PCFMV – O Programa do Betinho), já bem conhecidos, o que permite referências sumarias, suficientes para o presente propósito.
Deixar a escola para trabalhar, permanecer mais repetir o ano; sair e voltar da escola segundo as maiores e menores pressões para trabalhar – este é o ciclo repetitivo da relação trabalho/escola das crianças e adolescentes pobres, isto é, de metade da população indigente brasileira. Que programas de combate á pobreza comecem por aqueles que lhes são especialmente afetados parece-nos, além de justo, logico e urgente.
Tão importante quanto a questão dos recursos que poderiam financiar programas desta natureza é a que se refere a moldagem institucional e aos mecanismos operativos. Não é pretensão desenhar aqui o programa. Mas quer-se indicar alguns princípios e possibilidades institucionais que parecem adequados.
Na hipótese da criação de um programa de reforço da renda familiar a famílias pobres, a sugestão institucional que se faz é a de retirar o salário-família no plano de benefícios. No entanto, a Previdência contribuiria com o novo programa, com um valor equivalente ao gasto histórico que vinha tendo com o salário-família.
A maior efetividade do programa poderá advir de certas condicionalidades que deverão ser exigidas para a habilitação das famílias: prova das matriculas escolares de seus filhos, assim como da sua permanência na escola; carteira de saúde das crianças e adolescentes emitidas e controladas pelos postos de saúde.

A Campanha da Cidadania contra a Fome, a Miseria e pela Vida vem demonstrando graus inusitados ou quase esquecidos de solidariedade no país. Deve e poder ser sucedida por firmes ações públicas que dêem continuidade e permanência aos esforços de combate à pobreza. Um programa de reforço da renda familiar das famílias pobres, a ser somado a outros já existentes, seguramente produzirá impacto sobre as condições de vida de crianças e adolescentes, mobilizando recursos relativamente modestos e assimiláveis pela estrutura de gasto público.

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