Sônia Miriam Draibe
O objetivo mais
ambicioso desse artigo é o de contribuir para com o debater sobre reforma dos
programas sociais brasileiros, considerando e já recentemente aprovada Lei
Orgânica da Assistência Social.
É a unidade familiar
– e não os indivíduos – que se torna como base para considerar o eixo dos
programas dirigidos ao grupo materno-infantil e aos adolescentes. A
justificativa dessa opção é desenvolvida no texto.
Mas também a natureza
da oferta e distribuição de serviços sociais está contemplada na nossa especulação
sobre a viabilização de programas sociais assistenciais mais eficientes do que
aqueles com que se contou até agora.
O presente estudo
focaliza crianças adolescentes carentes
e suas famílias e limita-se a examinar um programa de transferência de merenda
que, somado a outros já existentes, poderá melhorar suas condições de vida e o
acesso aos serviços educacionais e de saúde.
Os
argumentos gerais
A economia da unidade familiar como parâmetro
da proteção social à população pobre
Não são nem as razões
ideológicas nem mesmo as sociológicas as que nos parecem mais adequadas para
justificar a tomada da família como referencia de programas sociais para a
pobreza.
As expressões estratégia familiar e estratégia de sobrevivência foram
cunhadas nos estudos e abordagens antropológicas dos comportamentos de famílias
pobres para dar conta do modo integrado como que agem, visando otimizar tanto o
acesso quanto a distribuição dos recursos que
logram alcançar. Ancorados na organização e prioridades internas que, na
prática, estabelecem, estes comportamentos definem, a cada momento do ciclo
familiar, o lugar de cada um dos
seus membros na unidade doméstica. A economia
familiar ganha assim concreção, seja pelos seus aspectos imediatamente
econômicos (integração de renda e de consumo), seja pela racionalidade
especifica que ai se constrói e passa a presidir os esforços de acesso e
distribuição a bens simbólicos e materiais.
Dimensões, composição
sexo-idade, características do chefe e alterações que ocorrem durante o ciclo
vital familiar são, na opinião desses autores, determinações essenciais dos
tipos de famílias e das suas oportunidades diferenciais de serem ais ou menos
pobres, de satisfazerem mais ou menos suas necessidades sociais básicas, de
verem ou não aumentadas as suas chances de escaparem do circulo férreo da
reprodução intergeneracional da pobreza.
Transferências de renda x Distribuição de
bens e serviços
Mas também aqueles
argumentos sustentam a proposição de um programa que, quanto à sua natureza, é um programa de
transferência de renda, isto é, de recursos em dinheiro, e não apenas um
programa a mais de distribuição de bens e serviços.
Ora, quando
consideradas as economias e estratégias familiares, principalmente das famílias
pobres, ganha maior sentido a proposição deum programa de transferência de
renda, ou, se se quiser, de reforço da
renda familiar, alternativa mais adequada e eficaz, seja de comprada à
distribuição discreta de bens e serviços, seja se confrontada com o complemento
à renda individual. Afinal, as famílias, principalmente as pobres, agem como
unidades de renda e consumo, como já se afirmou, e desenvolvem estratégias de
maximização dos recursos de todos os seus membros, ampliando seus efeitos sobre
todos. Ora, é de se esperar que um adicional sobre sua renda venha reforçar
estas estratégias, operando que um adicional sobre sua renda venha reforçar
estas estratégias, operando com maior eficácia na melhoria do bem-estar dos
seus componentes.
Programas de renda
mínima ou de renda familiar mínima não significam necessariamente a supressão
de todos os programas sociais públicos nem são aqui apresentados e justificados
como seus melhores substitutos. O fundamental parece ser o adicional de renda e
não a sua troca por programas existentes, então, ao invés de opor formas de
distribuição de rendas, está se enfatizando a importância de reforçar a renda
das famílias pobres através de um programa especifico, nos moldes de muitos
países, como se vera a seguir.
A experiência internacional: um rápido exame
A proteção à família
não é novidade nos sistemas de proteção, nem pode ser reduzida, como é de gosto
de alguns, a propósitos natalistas de países que enfrentam fracas taxas de
reprodução demográfica. Na evolução de “Welfare State”, principalmente nos anos
50 em diante, a proteção familiar parece ter atravessado duas fases. Na
primeira, trata-se de reforçar a renda dos segurados da previdência social no
momento do nascimento dos seus filhos, já que sabidamente ai se concentram
gastos. Auxilios-natalidade tiveram esse significado em quase todos os sistemas
previdenciários conhecidos, entre eles o nosso.
Numa segunda etapa,
principalmente após os anos 70, programas de assistência familiar pretenderam
reforçar a capacidade das famílias na criação dos seus filhos – um “risco”
social cada vez mais difícil de ser enfrentado, particularmente nas sociedades
muito urbanizadas e com grande participação feminina no mercado de trabalho.
Nessa evolução, não deixaram de entrelaçar também razoes de estímulos
demográficos, mas não foi essa a maior razão, nem a mais frequente, na maioria
dos países.
Os argumentos específicos: algumas
características da pobreza do Brasil
São características
particulares da pobreza no Brasil as que apoiam proposições como a que se faz:
introdução do programa de renda mínima através de um programa de transferência
de dinheiro a famílias pobres. Tais características são hoje, após o inicio do
Programa de Combate a Fome e a Miséria pela Vida (PCFMV – O Programa do
Betinho), já bem conhecidos, o que permite referências sumarias, suficientes
para o presente propósito.
Deixar a escola para
trabalhar, permanecer mais repetir o ano; sair e voltar da escola segundo as
maiores e menores pressões para trabalhar – este é o ciclo repetitivo da
relação trabalho/escola das crianças e adolescentes pobres, isto é, de metade
da população indigente brasileira. Que programas de combate á pobreza comecem
por aqueles que lhes são especialmente afetados parece-nos, além de justo,
logico e urgente.
Tão importante quanto
a questão dos recursos que poderiam financiar programas desta natureza é a que
se refere a moldagem institucional e
aos mecanismos operativos. Não é
pretensão desenhar aqui o programa. Mas quer-se indicar alguns princípios e
possibilidades institucionais que parecem adequados.
Na hipótese da
criação de um programa de reforço da renda familiar a famílias pobres, a
sugestão institucional que se faz é a de retirar o salário-família no plano de
benefícios. No entanto, a Previdência contribuiria com o novo programa, com um
valor equivalente ao gasto histórico que vinha tendo com o salário-família.
A maior efetividade
do programa poderá advir de certas condicionalidades
que deverão ser exigidas para a habilitação das famílias: prova das matriculas
escolares de seus filhos, assim como da sua permanência na escola; carteira de
saúde das crianças e adolescentes emitidas e controladas pelos postos de saúde.
A Campanha da
Cidadania contra a Fome, a Miseria e pela Vida vem demonstrando graus
inusitados ou quase esquecidos de solidariedade no país. Deve e poder ser
sucedida por firmes ações públicas que dêem continuidade e permanência aos
esforços de combate à pobreza. Um programa de reforço da renda familiar das
famílias pobres, a ser somado a outros já existentes, seguramente produzirá impacto
sobre as condições de vida de crianças e adolescentes, mobilizando recursos
relativamente modestos e assimiláveis pela estrutura de gasto público.
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