Dalva Azevedo Gueiros
Este texto pretende apresentar
uma contribuição para pensarmos a família ante suas configurações atuais e
atribuídas como alternativa de proteção social. Temos observado que, à medida
que o Estado restringe sua participação na “solução” de questões de
determinados segmentos – como, por exemplo, crianças, adolescentes, idosos,
portadores de deficiências e pessoas com problemas crônicos de saúde – a
família tem sido chamada para preencher esta lacuna, sem receber dos poderes
públicos a devida assistência para tanto.
Recentemente, realizando o estudo
social de um caso de três crianças, que haviam sido abrigadas, verificamos que
a família dessas crianças era composta pelo avô materno, quatro filhas deste e
nove netos (filhos das quatro filhas que com ele viviam), todos residentes numa
habitação pequena e em precárias condições; nesta família, os adultos que
trabalham o fazem na condição de prestadores de serviços eventuais, sem vínculo
empregatício. Nenhuma das crianças mantinha vínculo efetivo com seu genitor e
algumas delas nem tinham o nome dele em sua certidão de nascimento. Aquelas
cuja figura materna permanecia na casa gozavam do direito à convivência
familiar. Entretanto, as três crianças cuja genitora havia sido recentemente
presa foram obrigadas por solicitação do avô, que alegou ao Conselho Tutelar
falta de condições para cuidar delas, graças à sua condição socioeconômica, sua
idade avançada (56 anos) e a necessidade de trabalhar, pois não contava com
nenhuma proteção social (benefício previdenciário ou outros). Este parece ser
um caso que ilustra bem as decorrências da desproteção social em que vive a
população brasileira, especialmente aquela mais pauperizada.
É importante termos clareza das
questões mais relevantes vivenciadas pelas famílias com as quais trabalhamos.
Tomando como referência a situação ilustrada anteriormente, observamos que
alguns aspectos ai presentes como: ausência do pai, recaindo sobre a mãe toda a
responsabilidade sobre sua prole; e o agrupamento de vários “núcleos”
familiares num só, com condições mínimas de sobrevivência são recorrentes nas
famílias em situações de maior vulnerabilidade.
Este panorama, comum à prática
dos assistentes sociais, nos parece retratar
a ausência de políticas de proteção social à população das camadas
sociais de baixa renda, em conseqüência do retraimento do Estado neste campo. É importante termos clareza das questões mais relevantes
vivenciadas pelas famílias com as quais trabalhamos. Aspectos como: ausência de
qualquer suporte por parte da esfera pública para o enfrentamento de situações
limites; ausência de pais, recaindo sobre a mãe toda a responsabilidade da sua
prole; agrupamento de vários “núcleos” familiares num só, com condições mínimas
de sobrevivência, são recorrentes nas famílias em situações de maior
vulnerabilidade. Autores do Serviço Social e outras áreas vêm apontando e
problematizando este encolhimento do Estado e a própria despolitização da
questão social e suas expressões, além dos consequentes reflexos nos padrões de
proteção social.
Nosso intuito é discutir questões
relativas à família, assim, é inevitável que no nosso cotidiano profissional
deparemos com difíceis situações nas quais contamos somente com o suporte familiar
para responder a questões relacionadas à infância, à adolescência, a portadores
de deficiências ou de doenças crônicas.
1. Um
breve histórico da família
Numa retrospectiva breve da
história da família a partir do século X, tomando como base Aries (1981)
veremos que, até o referido século a família, inclusive e termos de patrimônio,
não tinha expressão.
A partir da segunda metade do
século XIX, o processo de modernização e o movimento feminista provocam outras
mudanças na família e o modelo patriarcal, vigente até então, passa a ser
questionado. Começa então, a se desenvolver a família conjugal moderna, na qual
o casamento se dá por escolha dos parceiros, com base no amor romântico, tendo
como perspectiva a superação da dicotomia entre amor e sexo e novas formulações
para os papeis do homem e da mulher no casamento.
A existência de traços da família
patriarcal na família conjugal moderna persiste até o século XX. Esse processo
de modernização se realiza de forma não linear, não existindo propriamente a
superação de um “modelo” pelo outro. Alguns autores, entre eles Hobsbawn (1996)
e Vaitsman (1994), apontam para a existência de dois momentos no processo de
modernização do século XX, cada um deles condensando determinadas
características:: um momento vai de 1900
a 1960 e outro que se inicia em 1960.
2. O
processo de modernização e a família
A família nuclear moderna,
composta por pai, mãe e filhos, sejam eles biológicos ou adotados e que
convivem e um lugar comum, foi o resultado do processo de transformação que
separou o mundo do trabalho do mundo familiar. Consolidando a dimensão privada
da família, contraria ao mundo publico. Tais mudanças significativas
compreenderam as inovações tecnológicas e econômicas que alteraram a estrutura
da sociedade capitalista. Com a urbanização e o crescimento das cidades da família
foi adquirindo novas formas de organização e estruturação.
O século XX apresentou no que se
referem à vida familiar algumas tendências que podem ser observadas na imensa
maioria dos países do mundo ocidental e inclusive de outras regiões do planeta.
São elas: o aumento da expectativa de vida a diminuição do índice de
natalidade, a maior participação das mulheres no mercado de trabalho e um
aumento nos índices de divórcios e separações.
A "nova" família termos
a figura da mulher mais valorizada, pois passa a existir uma significativa
igualdade entre os sexos, há um controle da natalidade, aumento de divórcios e
novos casamentos. Na década de 1960 o Brasil evidencia um processo de mudança
nos alicerces familiares no que se refere às relações entre sexualidade e
reprodução, difunde-se a pílula anticoncepcional, que faz com que a mulher
tenha liberdade e desvincule o sexo do conceito de reprodução, este que foi
fortemente valorizado e tido como obrigatório em décadas passadas. Na década de
1970 há uma modificação no discurso feminista, a mulher passa a reivindicar o direito
a maternidade, a opção de "escolha" se difundiu pelo mundo, a pressão
social é reforçada pelas novas formas de reprodução.
Na década de 1980 temos o avanço
das tecnologias reprodutivas, a inseminação artificial e a fertilização se
difundiram e mais uma e reforçou o conceito de desvinculação da gravidez com a
relação sexual entre homem e mulher.
E 1990 difundiu-se o
reconhecimento a paternidade com o auxílio do exame de DNA. O exame passa a ser
obrigatório nos casos em que há dúvida, ou que não se deseja reconhecer a
paternidade da criança, sendo este fundamental para o fortalecimento do laço
familiar.
No que diz respeito ao campo
jurídico, houveram algumas mudanças ocasionadas pelas reivindicações de
movimentos sociais que lutavam a favor dos direitos das crianças e do movimento
feminista. A Constituição Federal de 1988 foi de suma importância para
complementar o processo de mudança, nela a família brasileira é reconhecida
como base da sociedade e concebida como sendo a comunidade formada por qualquer
dos pais e seus descendentes (art. 226, parágrafo 4º) possibilitando-se a
igualdade entre os cônjuges. Ainda segundo a autora, a Constituição Federal
institui duas profundas alterações no núcleo familiar:
"1.a quebra da chefia conjugal masculina, tornando a
sociedade conjugal compartilhada em direitos e deveres pelo homem e pela
mulher;
2. o fim da diferenciação entre filhos legítimos e ilegítimos,
reiterada pela Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), promulgado em 1990,
que os define como "sujeito de direitos". (SARTI, 2000, p.24)
Caracterização e
questões atuais da família
Caracterização de Família da Região
Metropolitana de São Paulo;
Dados estatísticos Fundação Seade sobre
“Condições de vida na região metropolitana de São Paulo – primeiros resultados
1998”. 1994-1998 – média familiar passou de 3,65 para 3,45 membros, redução das
famílias numerosas;
Tipo de Família
Redução: do tipo casal com filhos/ou com
parentes;
Crescimento do tipo casal sem filhos/ou
parentes, chefe com filhos/ou parentes e principalmente pessoa sozinha.
O sexo do CHEFE
Tipo casal com ou sem filhos, o chefe aparece
exclusivamente como sendo o homem;
Tipo monoparental, é majoritário o percentual
de mulheres na chefia;
Participação dos filhos na renda familiar
É notória a participação de jovens até 16
anos e de crianças, na renda das camadas populares;
Uma em cada dez crianças na faixa etária de10
e 14 anos trabalha;
A Constituição Federal de 1988 incorporou
algumas transformações da família contemporânea, mas segundo autora há questões
que devem ser colocadas em debate: Casais ou mulheres que optam por não ter
filhos; famílias constituídas por homossexuais, com constituição de família a
partir da adoção via judicial, regulamentação pelo INSS da concessão de pensão
por morte do companheiro(a) homossexual; gravidez na adolescência e como
consequência a permanência da adolescente com seu filho na casa dos pais.
Questões atuais da
Família
As configurações familiares que não contam
com o reconhecimento social e legal, além de todas a questões vividas pelas
demais famílias, ainda sofrem com o preconceitos expressos nas relações com
amigos, vizinhos, escolas dos filhos e no trabalho.(p.117) A organização da
família nesta ou naquela configuração pode representar: Para alguns, escolhas
individuais inseridas num contexto relacional no qual vínculos com parentes,
amigos ou colegas de trabalho estão mantidos; Para outros, circunstâncias de
vida que não representam propriamente escolhas pessoais e que podem significar
isolamento social, pois tais vínculos inexistem ou estão fragilizados, ficando,
assim, o indivíduo numa condição de maior vulnerabilidade pessoal e
social.(p.117)
Que papel é atribuído socialmente e
legalmente a família no Brasil?
“É dever da família, da sociedade e do Estado
assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à
vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à
cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e
comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência,
discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.” Constituição
Federal de 1988, artigo 227.
“Os pais têm o dever de assistir, criar e
educar os filhos menores, e o filhos maiores têm o dever de ajudar a amparar os
pais na velhice, carência ou enfermidade.” Constituição Federal de 1988, artigo
229.
“Neste texto tivemos a preocupação de indicar
alguns aspectos para pensarmos a família da qual se fala e para qual se voltam
as limitadas políticas sociais existentes e os agentes executores de tais
políticas, pois entendemos que a família condensa uma história, uma linguagem e
códigos morais próprios, e, a partir deles e de sua condição social, organiza
sua forma de inserção na sociedade e de socialização de seus membros. Assim, é
preciso compreender suas particularidades e avaliar suas condições objetivas e
subjetivas para assumir as responsabilidades que são atribuídas como
“alternativa privativa para a questão social”, terminologia esta usada por
YAZBEK (2001)”. (p.118)
Considerações Finais
Pode a solidariedade familiar suportar os
efeitos da ausência de políticas públicas de proteção social voltadas para
setores mais vulnerabilizados da nossa sociedade?
Diante da ausência de politicas públicas de
proteção social que deveriam ser implementada pela esfera pública, deparamos,
no nosso cotidiano profissional, com a pressão pra que encontremos junto à
família respostas para graves situações vividas pelos indivíduos que dela fazem
parte.
Conhecer a família da qual se fala e para
qual muitas vezes dirigimos nossa prática profissional é muito importante;
também é imprescindível compreender sua inserção social e o papel que a ela
está sendo atualmente destinado; e, da mesma forma, é necessária a mobilização
de recursos da esfera pública, visando a implementação de políticas públicas de
caráter universalista que assegurem proteção social; entretanto, o mais
fundamental é que o indivíduo e sua família tenham efetivas condições para
prover sua autonomia, sejam respeitados em seus direitos civis e sociais
acessos à educação, à saúde, à justiça e ao trabalho) e contem com a
possibilidade de elevação do nível de qualidade de vida, aspectos estres
inerentes à construção da cidadania.
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