segunda-feira, 4 de abril de 2016

Família e proteção social: questões atuais e limites da solidariedade familiar

Dalva Azevedo Gueiros

Este texto pretende apresentar uma contribuição para pensarmos a família ante suas configurações atuais e atribuídas como alternativa de proteção social. Temos observado que, à medida que o Estado restringe sua participação na “solução” de questões de determinados segmentos – como, por exemplo, crianças, adolescentes, idosos, portadores de deficiências e pessoas com problemas crônicos de saúde – a família tem sido chamada para preencher esta lacuna, sem receber dos poderes públicos a devida assistência para tanto.

Recentemente, realizando o estudo social de um caso de três crianças, que haviam sido abrigadas, verificamos que a família dessas crianças era composta pelo avô materno, quatro filhas deste e nove netos (filhos das quatro filhas que com ele viviam), todos residentes numa habitação pequena e em precárias condições; nesta família, os adultos que trabalham o fazem na condição de prestadores de serviços eventuais, sem vínculo empregatício. Nenhuma das crianças mantinha vínculo efetivo com seu genitor e algumas delas nem tinham o nome dele em sua certidão de nascimento. Aquelas cuja figura materna permanecia na casa gozavam do direito à convivência familiar. Entretanto, as três crianças cuja genitora havia sido recentemente presa foram obrigadas por solicitação do avô, que alegou ao Conselho Tutelar falta de condições para cuidar delas, graças à sua condição socioeconômica, sua idade avançada (56 anos) e a necessidade de trabalhar, pois não contava com nenhuma proteção social (benefício previdenciário ou outros). Este parece ser um caso que ilustra bem as decorrências da desproteção social em que vive a população brasileira, especialmente aquela mais pauperizada.

É importante termos clareza das questões mais relevantes vivenciadas pelas famílias com as quais trabalhamos. Tomando como referência a situação ilustrada anteriormente, observamos que alguns aspectos ai presentes como: ausência do pai, recaindo sobre a mãe toda a responsabilidade sobre sua prole; e o agrupamento de vários “núcleos” familiares num só, com condições mínimas de sobrevivência são recorrentes nas famílias em situações de maior vulnerabilidade.

Este panorama, comum à prática dos assistentes sociais, nos parece retratar  a ausência de políticas de proteção social à população das camadas sociais de baixa renda, em conseqüência do retraimento do Estado neste campo. É importante termos clareza das questões mais relevantes vivenciadas pelas famílias com as quais trabalhamos. Aspectos como: ausência de qualquer suporte por parte da esfera pública para o enfrentamento de situações limites; ausência de pais, recaindo sobre a mãe toda a responsabilidade da sua prole; agrupamento de vários “núcleos” familiares num só, com condições mínimas de sobrevivência, são recorrentes nas famílias em situações de maior vulnerabilidade. Autores do Serviço Social e outras áreas vêm apontando e problematizando este encolhimento do Estado e a própria despolitização da questão social e suas expressões, além dos consequentes reflexos nos padrões de proteção social.

Nosso intuito é discutir questões relativas à família, assim, é inevitável que no nosso cotidiano profissional deparemos com difíceis situações nas quais contamos somente com o suporte familiar para responder a questões relacionadas à infância, à adolescência, a portadores de deficiências ou de doenças crônicas.

1. Um breve histórico da família

Numa retrospectiva breve da história da família a partir do século X, tomando como base Aries (1981) veremos que, até o referido século a família, inclusive e termos de patrimônio, não tinha expressão.

A partir da segunda metade do século XIX, o processo de modernização e o movimento feminista provocam outras mudanças na família e o modelo patriarcal, vigente até então, passa a ser questionado. Começa então, a se desenvolver a família conjugal moderna, na qual o casamento se dá por escolha dos parceiros, com base no amor romântico, tendo como perspectiva a superação da dicotomia entre amor e sexo e novas formulações para os papeis do homem e da mulher no casamento.

A existência de traços da família patriarcal na família conjugal moderna persiste até o século XX. Esse processo de modernização se realiza de forma não linear, não existindo propriamente a superação de um “modelo” pelo outro. Alguns autores, entre eles Hobsbawn (1996) e Vaitsman (1994), apontam para a existência de dois momentos no processo de modernização do século XX, cada um deles condensando determinadas características:: um  momento vai de 1900 a 1960 e outro que se inicia em 1960.

2. O processo de modernização e a família

A família nuclear moderna, composta por pai, mãe e filhos, sejam eles biológicos ou adotados e que convivem e um lugar comum, foi o resultado do processo de transformação que separou o mundo do trabalho do mundo familiar. Consolidando a dimensão privada da família, contraria ao mundo publico. Tais mudanças significativas compreenderam as inovações tecnológicas e econômicas que alteraram a estrutura da sociedade capitalista. Com a urbanização e o crescimento das cidades da família foi adquirindo novas formas de organização e estruturação.

O século XX apresentou no que se referem à vida familiar algumas tendências que podem ser observadas na imensa maioria dos países do mundo ocidental e inclusive de outras regiões do planeta. São elas: o aumento da expectativa de vida a diminuição do índice de natalidade, a maior participação das mulheres no mercado de trabalho e um aumento nos índices de divórcios e separações.

A "nova" família termos a figura da mulher mais valorizada, pois passa a existir uma significativa igualdade entre os sexos, há um controle da natalidade, aumento de divórcios e novos casamentos. Na década de 1960 o Brasil evidencia um processo de mudança nos alicerces familiares no que se refere às relações entre sexualidade e reprodução, difunde-se a pílula anticoncepcional, que faz com que a mulher tenha liberdade e desvincule o sexo do conceito de reprodução, este que foi fortemente valorizado e tido como obrigatório em décadas passadas. Na década de 1970 há uma modificação no discurso feminista, a mulher passa a reivindicar o direito a maternidade, a opção de "escolha" se difundiu pelo mundo, a pressão social é reforçada pelas novas formas de reprodução.

Na década de 1980 temos o avanço das tecnologias reprodutivas, a inseminação artificial e a fertilização se difundiram e mais uma e reforçou o conceito de desvinculação da gravidez com a relação sexual entre homem e mulher.

E 1990 difundiu-se o reconhecimento a paternidade com o auxílio do exame de DNA. O exame passa a ser obrigatório nos casos em que há dúvida, ou que não se deseja reconhecer a paternidade da criança, sendo este fundamental para o fortalecimento do laço familiar.

No que diz respeito ao campo jurídico, houveram algumas mudanças ocasionadas pelas reivindicações de movimentos sociais que lutavam a favor dos direitos das crianças e do movimento feminista. A Constituição Federal de 1988 foi de suma importância para complementar o processo de mudança, nela a família brasileira é reconhecida como base da sociedade e concebida como sendo a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes (art. 226, parágrafo 4º) possibilitando-se a igualdade entre os cônjuges. Ainda segundo a autora, a Constituição Federal institui duas profundas alterações no núcleo familiar:

"1.a quebra da chefia conjugal masculina, tornando a sociedade conjugal compartilhada em direitos e deveres pelo homem e pela mulher;
2. o fim da diferenciação entre filhos legítimos e ilegítimos, reiterada pela Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), promulgado em 1990, que os define como "sujeito de direitos". (SARTI, 2000, p.24)


Caracterização e questões atuais da família

Caracterização de Família da Região Metropolitana de São Paulo;
Dados estatísticos Fundação Seade sobre “Condições de vida na região metropolitana de São Paulo – primeiros resultados 1998”. 1994-1998 – média familiar passou de 3,65 para 3,45 membros, redução das famílias numerosas;
Tipo de Família
Redução: do tipo casal com filhos/ou com parentes;
Crescimento do tipo casal sem filhos/ou parentes, chefe com filhos/ou parentes e principalmente pessoa sozinha.
O sexo do CHEFE
Tipo casal com ou sem filhos, o chefe aparece exclusivamente como sendo o homem;
Tipo monoparental, é majoritário o percentual de mulheres na chefia;
Participação dos filhos na renda familiar
É notória a participação de jovens até 16 anos e de crianças, na renda das camadas populares;
Uma em cada dez crianças na faixa etária de10 e 14 anos trabalha;

A Constituição Federal de 1988 incorporou algumas transformações da família contemporânea, mas segundo autora há questões que devem ser colocadas em debate: Casais ou mulheres que optam por não ter filhos; famílias constituídas por homossexuais, com constituição de família a partir da adoção via judicial, regulamentação pelo INSS da concessão de pensão por morte do companheiro(a) homossexual; gravidez na adolescência e como consequência a permanência da adolescente com seu filho na casa dos pais.

Questões atuais da Família

As configurações familiares que não contam com o reconhecimento social e legal, além de todas a questões vividas pelas demais famílias, ainda sofrem com o preconceitos expressos nas relações com amigos, vizinhos, escolas dos filhos e no trabalho.(p.117) A organização da família nesta ou naquela configuração pode representar: Para alguns, escolhas individuais inseridas num contexto relacional no qual vínculos com parentes, amigos ou colegas de trabalho estão mantidos; Para outros, circunstâncias de vida que não representam propriamente escolhas pessoais e que podem significar isolamento social, pois tais vínculos inexistem ou estão fragilizados, ficando, assim, o indivíduo numa condição de maior vulnerabilidade pessoal e social.(p.117)

Que papel é atribuído socialmente e legalmente a família no Brasil?
“É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.” Constituição Federal de 1988, artigo 227.

“Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e o filhos maiores têm o dever de ajudar a amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade.” Constituição Federal de 1988, artigo 229.

“Neste texto tivemos a preocupação de indicar alguns aspectos para pensarmos a família da qual se fala e para qual se voltam as limitadas políticas sociais existentes e os agentes executores de tais políticas, pois entendemos que a família condensa uma história, uma linguagem e códigos morais próprios, e, a partir deles e de sua condição social, organiza sua forma de inserção na sociedade e de socialização de seus membros. Assim, é preciso compreender suas particularidades e avaliar suas condições objetivas e subjetivas para assumir as responsabilidades que são atribuídas como “alternativa privativa para a questão social”, terminologia esta usada por YAZBEK (2001)”. (p.118)

Considerações Finais

Pode a solidariedade familiar suportar os efeitos da ausência de políticas públicas de proteção social voltadas para setores mais vulnerabilizados da nossa sociedade?

Diante da ausência de politicas públicas de proteção social que deveriam ser implementada pela esfera pública, deparamos, no nosso cotidiano profissional, com a pressão pra que encontremos junto à família respostas para graves situações vividas pelos indivíduos que dela fazem parte.

Conhecer a família da qual se fala e para qual muitas vezes dirigimos nossa prática profissional é muito importante; também é imprescindível compreender sua inserção social e o papel que a ela está sendo atualmente destinado; e, da mesma forma, é necessária a mobilização de recursos da esfera pública, visando a implementação de políticas públicas de caráter universalista que assegurem proteção social; entretanto, o mais fundamental é que o indivíduo e sua família tenham efetivas condições para prover sua autonomia, sejam respeitados em seus direitos civis e sociais acessos à educação, à saúde, à justiça e ao trabalho) e contem com a possibilidade de elevação do nível de qualidade de vida, aspectos estres inerentes à construção da cidadania.


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